Amigos de Pelotas

Eu sempre desconfiei do “eiro” o3c1u

2e5h4t

O amigo Montserrat Martins, colunista do Amigos de Pelotas, me convidou para escrever algumas palavras para um livro em que procura se aproximar do amálgama que compõe o invisível, a “alma do Brasil”.

Ele é médico psiquiatra. Supus que pensou bem antes de me convidar.

Escrevi de veneta o texto abaixo e mandei ao Montserrat…

“É muito bom ser lembrado, mas os dias se foram indo embora junto com o ânimo de escrever o texto para o livro. O motivo que encontrei no inconsciente foi o medo de vê-lo (ao Montserrat), apenas por consideração, tendo de aceitar um texto sem vida, desprovido.

Escrevi a ele um whats declinando. Ele reagiu.

Há tempos eu notei que uma das principais características do Mont é a consideração com o outro. Outra é a perseverança. Junte as duas e temos uma rocha convicta não só de seu sólido lugar no planeta, mas de que todos são iguais nesse quesito.

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Mont me respondeu com um e-mail incentivador, insistindo para que eu escrevesse. Um bom volume de linhas escrito em português tão bem assentado e pontuado que nem parece coisa de brasileiro.

O que é mesmo o brasileiro? Simplesmente não consigo definir.

Já não penso mais em coisas assim, apenas tento viver a vida. Penso tanto sem querer pensar que ultimamente tenho procurado me aproximar de uma ideia de paraíso interior, onde um neon anuncia que pensar demais traz infelicidade. Além disso, ou justamente por isso, não creio que algo que eu diga seja definitivo ou venha a ter importância.

Vê só o que a vida faz com a gente!

Doutos já disseram tanto sobre o brasileiro. Tudo que registraram foi muito interessante e, evidentemente, amoroso. Não há amor mais ambicioso do que dedicar anos de vida a decifrar a “alma de um povo”.

Eu os iro muitíssimo, aos doutos, por razões humanitárias. Nem todo mundo é capaz de abdicar da vida para entender um aglomerado que, a exemplo do fogo fátuo, aparece e desaparece com uma inesperada intermitência metida a engraçadinha.

Só o Montserrat para me fazer perder tempo sem que eu sinta que estou perdendo.

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Tentar resumir o brasileiro me cai tão estupendo que toda palavra me vem como rabiscos de cera nas mãos de uma criança.

Quando me convidou, Mont me pediu um título provisório para o futuro texto que eu escreveria e do qual chegaria a desistir em certo ponto.

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“Eu sempre desconfiei do Eiro”, falei. Do sufixo “eiro” em brasileiro.

Não sei porque falei isso. Depois me ocorreu que só pode ter sido manifestação de uma entidade cínica, sem esperança.

Sempre que sinto cheiro de flores, saio procurando onde é o enterro. Ando nesse estado assim, identificado por H. L. Mencken em seu O Livro dos Insultos.

Algo me diz que aquela entidade não gosta do “eiro” porque o sufixo imprime à nacionalidade um caráter zombeteiro. Como se decretasse, de saída, a impossibilidade de qualquer grandeza em nossas atitudes.

Há também servilismo no sufixo, presente em palavras que nominam profissões modestas, como funileiro, pedreiro, quitandeiro, cabeleireiro, faroleiro etc. Não fica mal em todas as palavras. Tinteiro, por exemplo, é bacana, mas também remete ao trabalho.

Há “nobreza” em ser inglês, dinamarquês, chinês.

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Há “determinação” em ser americano, russo, australiano.

Há “altivez” em ser alemão, húngaro e suíço. Até mesmo em ser eslavo.

O único povo com “eiro” na denominação é o nosso. Parece presságio de sina. Pra completar, Brasil é nome de remédio.

Não leve a mal. Ultimamente, tenho caminhado com o saco cheio. A maioria das coisas são livros de autoajuda”.

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